Não é novidade que eu ame fazer trilhas
e aventuras, apesar de fazê-las e enfrenta-las cada vez menos (tirar a bunda do
sofá sempre foi meu leão vivo), mas hoje foi dia de trilha.
Começamos em um lugar muito
seguro já pensando que voltaríamos e voltaríamos cansados. O carro da família
estacionado lá me deixava tranquila em saber que, por mais cansativo e difícil
que pudesse ser aquela trilha que eu desconhecia até o tempo de percurso
(poderia durar 15 minutos ou 3 horas, segundo testemunhos dos que já a
enfrentaram), eu voltaria, poderia dormir, me aquecer e facilmente voltar pra
casa sem qualquer outro perrengue (não que esse carro da família já não tenha
sido a causa de MUITOS perrengues rs).
Eu sempre repeti o discurso de
que adoro caminhar e viajar sozinha e o fiz na maioria das vezes. Mas
refletindo durante a sinuosa e perigosamente molhada trilha, percebi que nunca
estive, de fato, sozinha. Sempre tinha alguém ou algo para me respaldar, me dar
forças, me encorajar e, principalmente, me dar segurança. Seja durante o
percurso, ao fim dele ou até em seu início. O fato de estar sozinha em minhas
trilhas e viagens sempre fora uma ilusão até mesmo quando eu afastava
propositalmente as pessoas justamente porque queria descobrir tudo pelos meus
próprios olhos e filtros.
Me pergunto se Chris McCandles
(todos sabem do meu fanatismo e curiosidade pela sua historia) fora um que, DE
FATO, conseguiu caminhar e viajar sozinho. Totalmente sozinho! Como eu sempre
quis fazer, mas nunca realmente consegui. Ou se ele, também, tinha algum tipo
de respaldo, seja ele qual for. Seria esse respaldo obrigatoriamente necessário
para fazermos uma viagem ou uma simples trilha?
Não sei. Ainda não. A morte dele
e suas circunstâncias particularmente não respondem a essa pergunta.
Voltemos a trilha. O goal era a
Praia Brava de Boiçucanga e sua cachoeira. A companhia era a melhor: meu irmão.
Sim, aquele lá. O homem da minha vida. A pessoa mais fácil, leve, doce e, ao
mesmo tempo forte. Perfeito para te ajudar a continuar em movimento. Ele me
empurrou e me motivou todas as vezes em que tentei parar e manipulá-lo para o
convencer de parar rapidamente para uma simples respiração antes de
continuarmos aquela subida que a cada curva assustava ainda mais, pois parecia
não ter fim! Tentei todas as desculpas na manga: descanso para seguir mais
rápido, o papo furado de admirar o caminho mais do que o fim, para e observar
os 7% restantes da Mata Atlântica... NADA! Continuamos!
Assumi a frente da caminhada.
Tenho determinada vantagem em trilhas sinuosas devido a experiências
anteriores, de modo que sei quase que intuitivamente onde pisar, a velocidade
em que pisar e trocar o apoio e o caminho mais fácil. A pessoa que vem atrás,
sempre segue os seus passos, sequer para pra pensar na possibilidade de pisar
em outra pedra. Além disso, o da frente sempre determina a velocidade da
caminhada. Esperta eu, pois com aquelas pernas e força que meu irmão tem é
quase impossível acompanha-lo sem sentir que seu calejado pulmão vai sair pela
boca e começar o mimimi e a sofrência (Ai, como eu sou cool!). Começar a
reclamar, a respirar errado e pensar repetidamente: PORQUE EU DECIDI/ACEITEI
FAZER ESSA MERDA?
Resolvi que iria cronometrar a
trilha já que todos que já a trilharam falaram de uma experiência e tempo totalmente
diferentes uma das outras. Meu irmão disse que 15 minutos bastavam. Filho da
Puta (desculpa aí, vó.)! Não tem a menor noção do tempo, pois caminha nas
trilhas como se estivesse indo e voltando da padaria. Vai com o vento. Não
pensa no goal e sequer cria expectativas sobre ele. Maldita criatura evoluída
(Crianças, a inveja nunca é plena, mata a alma e a envenena!).
Já tinham se passado 44 minutos
(tive que acrescentar 2 minutos ao tempo que levei para calcular!!!)! Não
reclamei, pois já ouvia o mar cada vez mais próximo, o trecho mais difícil (a
subida) já tinha passado e agora era descer e correr para o abraço. Obviamente,
mais uma ilusão da aventureira que erra quando inflama sua autoconfiança. Parte
difícil pode facilmente se tornar a mais fácil. Você nunca sabe o que te
aguarda na próxima curva e mesmo o trecho fácil, pode te tomar mais tempo do
que o previsto e se mostrar MUITO mais difícil do que aparenta. A chuva dos
dias anteriores havia transformado a trilha em um escorregador em potencial. As
escadinhas artificialmente criadas eram agora esculturas do que parecia argila.
E o tombo logo veio! Eu tinha duas opções: rir, perder meu tempo gargalhando no
chão, me divertir com meu irmão, ou levantar dramatizando um tombinho,
procurando por hematomas e preocupando meu irmão. Obviamente (credito isso a
pessoa divertidíssima que me acompanhava) escolhi a primeira opção. Demos
risadas, nos divertimos muito e foram os melhores tempos perdidos da trilha. Sequer pensei que aquele momento rindo pudesse
ser prejudicial à caminhada. Pelo contrário. Ele deixou o caminhar mais leve e
respondia aquela pergunta inicial. Eu tinha decidido/aceitado fazer a trilha
para me divertir, explorar, aprender, cair e levantar, ter historias para
contar e dar risadas infantis com aquele que fora infantil comigo quando eu
também o era.
A esse ponto, eu já tinha
entendido o porque dos testemunhos nunca se assemelharem e sequer o tempo de percurso. Cada um caminha a sua
maneira, ao seu tempo e os imprevistos são, digamos, imprevisíveis.
As risadas não duraram um minuto,
pois assim que continuamos, quando menos esperava, quando havia esquecido a
preocupação do caminhar, do esforço, do que ainda poderia me surpreender, o que
ainda poderia enfrentar e quanto tempo mais tomaria do meu dia até finalmente
chegar, lá estava ela. A praia brava!! Linda! Deserta! E realmente BRAVA!
A felicidade era tamanha que
esqueci de checar a hora em que chegamos. Mas qual é a importância do tempo em
que se caminhou e das dificuldades que se passou quando já chegou ao seu
destino?? Para os ansiosos de plantão, o tempo não fará diferença, mas sim a
caminhada. Terás de passar por tudo aquilo queira sim ou queira não para chegar
ao fim, não importa quanto tempo levará para tal. Para os curiosos (como eu mesma),
calculei por volta de 50 minutos ida e 1 hora volta.
Corremos, deitamos, plantamos
bananeiras, admiramos o mar, sentimos sua brisa e aí parei para descansar e
refletir. Ficar ali me parecia tão sem sentido. Eu sei. É estúpido! Mas não
podíamos entrar no mar devido às ondas que faziam mais do que jus ao nome da
praia e ficar largada sem ao menos um livro na praia não é uma das minhas
coisas favoritas. Fico impaciente e o que antes era tão perfeito começava a se
tornar um fardo: como vou manipular e convencer a criança feliz ali fazendo
malabares na areia a tomar outro rumo? O de volta pra casa!
Sabia que meu irmão poderia
passar o dia inteirinho aguardando o por do sol e blá blá blá. Aquilo tudo
sempre me soou uma bobagem (me julguem!). Imaginem só a minha felicidade quando
o menino falou: eaí? Vamos?
Mais uma ilusão (quanta
sofrência, senhor!)! Enquanto eu já estava me vendo no carro da família, limpa,
aquecida, sem trilha, sem dificuldade ou qualquer sinuosidade, ele já previa
outra trilha que se seguia a partir da praia. Depois de reclamar internamente
(não queria admitir publicamente
minhas fraquezas), comecei a perceber que fazia muito sentido afinal tínhamos
que continuar em movimento, atingir UM goal e não O goal! Demoramos um pouco
para achar esse outro caminho. Ele era mais difícil que o primeiro e para
poucos, pois estava muito escondido. Com a ajuda de meu irmão, tive coragem
para seguir e em menos de um minuto (sim, estava mais perto do que eu poderia
imaginar. Dizem que as vezes demora certo tempo até enxergarmos aquilo que está
ali, bem na nossa frente a tempos.) estávamos lá.
Só de ver aquela cachoeira
(pequena comparada as que costumamos frequentar) já me trouxe uma plenitude a
muito não sentida. Como se o verdadeiro sentido daquela caminhada toda fosse
aquele caminhozinho assustador e para poucos e entrar naquela água congelante
(já tinha colocado em mente antes mesmo de enfrentar a trilha que não me
arriscaria em qualquer agua gelada) seria a renovação e a força reabastecida
para fazer mais trilhas, mais aventuras... Assim como eu desejava antes de
estar presa ao sofá.
Foi rápido, pleno, satisfatório e
extremamente divertido!
E ali estávamos. Pronto para
pegar o caminho da roça. O caminho de volta. O MESMO caminho! Agora sem graça,
pois já o tínhamos desafiado e já o tínhamos vencido antes. E, agora, cheia de
energia para mais 32 aventuras e 32 trilhas (Sequer precisava da força e
encorajamento do meu irmão!), voltar para a segurança do carro e pelo caminho
que não renderia mais novas historias, experiências diferentes e novas lições
soavam frustrantes, cansativo e me dava raiva só de pensar que teríamos que
voltar TUDO!
Outra ilusão. Você pode passar 20
vezes pelo mesmo caminho, mas ele nunca será o mesmo, pois você nunca será o
mesmo. Agora eu conhecia a trilha, o tempo, o sentimento era outro, a
autoconfiança também... Tivemos mais tempo para nos divertirmos e aproveitarmos
o caminhar, pois agora o goal era o carro e esse, definitivamente, não era mais
empolgante do que uma praia deserta.
Eu queria continuar... Por novos
caminhos! Estava pronta! Preparada! Empolgada! Mas tive que aceitar que para
fazer novas trilhas e aventuras, teria que voltar ao carro. A partir da
cachoeira, não havia mais outro goal ou outro caminho. Teria que voltar a estaca
zero e planejar a próxima caminhada.
Imagino que não consegui
enganá-los, como desejava, sobre mais um relato de uma experiência pessoal que
compõe esse blog, mas metáforas da vida. Mas para aqueles que não perceberam
(tomara que ao menos um!!), sugiro que releiam a historia (eu sei, é gigante
rs) pensando no nosso caminhar da vida: divertida, cheia de escolhas, dúvidas,
dor, alegrias, sonhos, frustrações, tombos, realizações, surpresas, pessoas
especiais, lições, aprendizados, evolução... E isso é só um exemplo de uma
pequena trilha (outra metáfora, tá?).
Sobre voltar a estaca zero. Ao
cômodo e seguro lar familiar ou aquele lugar em que sentimos isso. Recomeçar
TUDO de novo: sonhar, planejar, força de vontade para se movimentar e tirar a
bunda do sofá, enfrentar e vencer. Pode parecer estúpido e até embaraçoso. Como
se faltasse coragem para seguir diretamente de uma trilha para outra sem
qualquer volta ou lugar seguro. Uma derrota! Mas, as vezes, estúpido é seguir
diretamente para outro lugar cansada, calejada, dolorida, sem pensar, sem
planejar e sem preparo!
A estaca zero não é o lugar da
derrota, mas o da vitória. Onde você traz sua bagagem da ultima aventura divide
com aqueles que ama e fazem parte da sua vida e do seu porto seguro, se
recompõe e se prepara para a próxima. Além disso, não é papo furado. De fato o
caminho é muito mais enriquecedor do que o fim.
P.S. A trilha realmente aconteceu e nos renderam
belas fotos. Aproveitem! :D