quarta-feira, 6 de maio de 2015

HOJE é dia de trilha!

Não é novidade que eu ame fazer trilhas e aventuras, apesar de fazê-las e enfrenta-las cada vez menos (tirar a bunda do sofá sempre foi meu leão vivo), mas hoje foi dia de trilha.
Começamos em um lugar muito seguro já pensando que voltaríamos e voltaríamos cansados. O carro da família estacionado lá me deixava tranquila em saber que, por mais cansativo e difícil que pudesse ser aquela trilha que eu desconhecia até o tempo de percurso (poderia durar 15 minutos ou 3 horas, segundo testemunhos dos que já a enfrentaram), eu voltaria, poderia dormir, me aquecer e facilmente voltar pra casa sem qualquer outro perrengue (não que esse carro da família já não tenha sido a causa de MUITOS perrengues rs).
Eu sempre repeti o discurso de que adoro caminhar e viajar sozinha e o fiz na maioria das vezes. Mas refletindo durante a sinuosa e perigosamente molhada trilha, percebi que nunca estive, de fato, sozinha. Sempre tinha alguém ou algo para me respaldar, me dar forças, me encorajar e, principalmente, me dar segurança. Seja durante o percurso, ao fim dele ou até em seu início. O fato de estar sozinha em minhas trilhas e viagens sempre fora uma ilusão até mesmo quando eu afastava propositalmente as pessoas justamente porque queria descobrir tudo pelos meus próprios olhos e filtros.
Me pergunto se Chris McCandles (todos sabem do meu fanatismo e curiosidade pela sua historia) fora um que, DE FATO, conseguiu caminhar e viajar sozinho. Totalmente sozinho! Como eu sempre quis fazer, mas nunca realmente consegui. Ou se ele, também, tinha algum tipo de respaldo, seja ele qual for. Seria esse respaldo obrigatoriamente necessário para fazermos uma viagem ou uma simples trilha?
Não sei. Ainda não. A morte dele e suas circunstâncias particularmente não respondem a essa pergunta.
Voltemos a trilha. O goal era a Praia Brava de Boiçucanga e sua cachoeira. A companhia era a melhor: meu irmão. Sim, aquele lá. O homem da minha vida. A pessoa mais fácil, leve, doce e, ao mesmo tempo forte. Perfeito para te ajudar a continuar em movimento. Ele me empurrou e me motivou todas as vezes em que tentei parar e manipulá-lo para o convencer de parar rapidamente para uma simples respiração antes de continuarmos aquela subida que a cada curva assustava ainda mais, pois parecia não ter fim! Tentei todas as desculpas na manga: descanso para seguir mais rápido, o papo furado de admirar o caminho mais do que o fim, para e observar os 7% restantes da Mata Atlântica... NADA! Continuamos!
Assumi a frente da caminhada. Tenho determinada vantagem em trilhas sinuosas devido a experiências anteriores, de modo que sei quase que intuitivamente onde pisar, a velocidade em que pisar e trocar o apoio e o caminho mais fácil. A pessoa que vem atrás, sempre segue os seus passos, sequer para pra pensar na possibilidade de pisar em outra pedra. Além disso, o da frente sempre determina a velocidade da caminhada. Esperta eu, pois com aquelas pernas e força que meu irmão tem é quase impossível acompanha-lo sem sentir que seu calejado pulmão vai sair pela boca e começar o mimimi e a sofrência (Ai, como eu sou cool!). Começar a reclamar, a respirar errado e pensar repetidamente: PORQUE EU DECIDI/ACEITEI FAZER ESSA MERDA?
Resolvi que iria cronometrar a trilha já que todos que já a trilharam falaram de uma experiência e tempo totalmente diferentes uma das outras. Meu irmão disse que 15 minutos bastavam. Filho da Puta (desculpa aí, vó.)! Não tem a menor noção do tempo, pois caminha nas trilhas como se estivesse indo e voltando da padaria. Vai com o vento. Não pensa no goal e sequer cria expectativas sobre ele. Maldita criatura evoluída (Crianças, a inveja nunca é plena, mata a alma e a envenena!).
Já tinham se passado 44 minutos (tive que acrescentar 2 minutos ao tempo que levei para calcular!!!)! Não reclamei, pois já ouvia o mar cada vez mais próximo, o trecho mais difícil (a subida) já tinha passado e agora era descer e correr para o abraço. Obviamente, mais uma ilusão da aventureira que erra quando inflama sua autoconfiança. Parte difícil pode facilmente se tornar a mais fácil. Você nunca sabe o que te aguarda na próxima curva e mesmo o trecho fácil, pode te tomar mais tempo do que o previsto e se mostrar MUITO mais difícil do que aparenta. A chuva dos dias anteriores havia transformado a trilha em um escorregador em potencial. As escadinhas artificialmente criadas eram agora esculturas do que parecia argila. E o tombo logo veio! Eu tinha duas opções: rir, perder meu tempo gargalhando no chão, me divertir com meu irmão, ou levantar dramatizando um tombinho, procurando por hematomas e preocupando meu irmão. Obviamente (credito isso a pessoa divertidíssima que me acompanhava) escolhi a primeira opção. Demos risadas, nos divertimos muito e foram os melhores tempos perdidos da trilha. Sequer pensei que aquele momento rindo pudesse ser prejudicial à caminhada. Pelo contrário. Ele deixou o caminhar mais leve e respondia aquela pergunta inicial. Eu tinha decidido/aceitado fazer a trilha para me divertir, explorar, aprender, cair e levantar, ter historias para contar e dar risadas infantis com aquele que fora infantil comigo quando eu também o era.
A esse ponto, eu já tinha entendido o porque dos testemunhos nunca se assemelharem e sequer  o tempo de percurso. Cada um caminha a sua maneira, ao seu tempo e os imprevistos são, digamos, imprevisíveis.
As risadas não duraram um minuto, pois assim que continuamos, quando menos esperava, quando havia esquecido a preocupação do caminhar, do esforço, do que ainda poderia me surpreender, o que ainda poderia enfrentar e quanto tempo mais tomaria do meu dia até finalmente chegar, lá estava ela. A praia brava!! Linda! Deserta! E realmente BRAVA!
A felicidade era tamanha que esqueci de checar a hora em que chegamos. Mas qual é a importância do tempo em que se caminhou e das dificuldades que se passou quando já chegou ao seu destino?? Para os ansiosos de plantão, o tempo não fará diferença, mas sim a caminhada. Terás de passar por tudo aquilo queira sim ou queira não para chegar ao fim, não importa quanto tempo levará para tal. Para os curiosos (como eu mesma), calculei por volta de 50 minutos ida e 1 hora volta.
Corremos, deitamos, plantamos bananeiras, admiramos o mar, sentimos sua brisa e aí parei para descansar e refletir. Ficar ali me parecia tão sem sentido. Eu sei. É estúpido! Mas não podíamos entrar no mar devido às ondas que faziam mais do que jus ao nome da praia e ficar largada sem ao menos um livro na praia não é uma das minhas coisas favoritas. Fico impaciente e o que antes era tão perfeito começava a se tornar um fardo: como vou manipular e convencer a criança feliz ali fazendo malabares na areia a tomar outro rumo? O de volta pra casa!
Sabia que meu irmão poderia passar o dia inteirinho aguardando o por do sol e blá blá blá. Aquilo tudo sempre me soou uma bobagem (me julguem!). Imaginem só a minha felicidade quando o menino falou: eaí? Vamos?
Mais uma ilusão (quanta sofrência, senhor!)! Enquanto eu já estava me vendo no carro da família, limpa, aquecida, sem trilha, sem dificuldade ou qualquer sinuosidade, ele já previa outra trilha que se seguia a partir da praia. Depois de reclamar internamente (não queria admitir publicamente minhas fraquezas), comecei a perceber que fazia muito sentido afinal tínhamos que continuar em movimento, atingir UM goal e não O goal! Demoramos um pouco para achar esse outro caminho. Ele era mais difícil que o primeiro e para poucos, pois estava muito escondido. Com a ajuda de meu irmão, tive coragem para seguir e em menos de um minuto (sim, estava mais perto do que eu poderia imaginar. Dizem que as vezes demora certo tempo até enxergarmos aquilo que está ali, bem na nossa frente a tempos.) estávamos lá.
Só de ver aquela cachoeira (pequena comparada as que costumamos frequentar) já me trouxe uma plenitude a muito não sentida. Como se o verdadeiro sentido daquela caminhada toda fosse aquele caminhozinho assustador e para poucos e entrar naquela água congelante (já tinha colocado em mente antes mesmo de enfrentar a trilha que não me arriscaria em qualquer agua gelada) seria a renovação e a força reabastecida para fazer mais trilhas, mais aventuras... Assim como eu desejava antes de estar presa ao sofá.
Foi rápido, pleno, satisfatório e extremamente divertido!
E ali estávamos. Pronto para pegar o caminho da roça. O caminho de volta. O MESMO caminho! Agora sem graça, pois já o tínhamos desafiado e já o tínhamos vencido antes. E, agora, cheia de energia para mais 32 aventuras e 32 trilhas (Sequer precisava da força e encorajamento do meu irmão!), voltar para a segurança do carro e pelo caminho que não renderia mais novas historias, experiências diferentes e novas lições soavam frustrantes, cansativo e me dava raiva só de pensar que teríamos que voltar TUDO!
Outra ilusão. Você pode passar 20 vezes pelo mesmo caminho, mas ele nunca será o mesmo, pois você nunca será o mesmo. Agora eu conhecia a trilha, o tempo, o sentimento era outro, a autoconfiança também... Tivemos mais tempo para nos divertirmos e aproveitarmos o caminhar, pois agora o goal era o carro e esse, definitivamente, não era mais empolgante do que uma praia deserta.
Eu queria continuar... Por novos caminhos! Estava pronta! Preparada! Empolgada! Mas tive que aceitar que para fazer novas trilhas e aventuras, teria que voltar ao carro. A partir da cachoeira, não havia mais outro goal ou outro caminho. Teria que voltar a estaca zero e planejar a próxima caminhada.
Imagino que não consegui enganá-los, como desejava, sobre mais um relato de uma experiência pessoal que compõe esse blog, mas metáforas da vida. Mas para aqueles que não perceberam (tomara que ao menos um!!), sugiro que releiam a historia (eu sei, é gigante rs) pensando no nosso caminhar da vida: divertida, cheia de escolhas, dúvidas, dor, alegrias, sonhos, frustrações, tombos, realizações, surpresas, pessoas especiais, lições, aprendizados, evolução... E isso é só um exemplo de uma pequena trilha (outra metáfora, tá?).
Sobre voltar a estaca zero. Ao cômodo e seguro lar familiar ou aquele lugar em que sentimos isso. Recomeçar TUDO de novo: sonhar, planejar, força de vontade para se movimentar e tirar a bunda do sofá, enfrentar e vencer. Pode parecer estúpido e até embaraçoso. Como se faltasse coragem para seguir diretamente de uma trilha para outra sem qualquer volta ou lugar seguro. Uma derrota! Mas, as vezes, estúpido é seguir diretamente para outro lugar cansada, calejada, dolorida, sem pensar, sem planejar e sem preparo!
A estaca zero não é o lugar da derrota, mas o da vitória. Onde você traz sua bagagem da ultima aventura divide com aqueles que ama e fazem parte da sua vida e do seu porto seguro, se recompõe e se prepara para a próxima. Além disso, não é papo furado. De fato o caminho é muito mais enriquecedor do que o fim.
P.S. A trilha realmente aconteceu e nos renderam belas fotos. Aproveitem! :D












sexta-feira, 27 de março de 2015

Bandido bom é bandido morto

Há dois dias presenciei (e participei) daquilo que eu me recusava a ver nos vídeos postados na internet. Aquele "bandido", bêbado demais para conseguirem amarrá-lo a um poste, sendo linchado por muitos. Quando digo muitos, me refiro aos que sequer presenciaram o início e/ou motivo (existe motivo para tal?) da tentativa de homicídio.
                O que de início me pareceu uma briga que não chegaria às vias de fato, visto as condições alcóolicas (quem nunca?) de um dos participantes, levou, em segundos, a este mesmo participante ser jogado em uma movimentada via expressa e sendo alvo de rodízios de chutes na cara!
Quão "corajosa" é uma pessoa capaz de fazer isso. Ao fim da confusão, cheguei inclusive a aplaudir (ironicamente e tristemente) tamanha macheza em tirar, com os pés os dentes de uma pessoa. Confesso que até perdi meu medo de dentistas.
                Assim como levaram segundos para o rodízio de trabalhadores tendo seus CDs piratas roubados, civis curiosos, contratados do Youtube de plantão e aqueles que simplesmente lutavam (literalmente) pelo bem da sociedade civil, família e zzzzzzzz..
                Desculpa. Voltei! Bom, como dizia, assim como levaram segundos para dentes voarem pela avenida, levaram os mesmo segundos para que eu corresse até o homem. Não sou muito inteligente, por isso demoro mais de segundos para perceber o que de fato estou fazendo e o porquê, de forma que tudo se tornou uma ação intuitiva, lacrimosa e cheia de nervos.
                Não pensei que poderia ser atropelada, não pensei em todo o sangue que estava sob meu corpo, não pensei que poderia, também, ser agredida... Só pensava em duas coisas: naquela boca que respingava algo que eu não chamaria de sangue. Era pastoso. E em uma única pessoa que estava lá, ao meu lado. Disposta a tudo! A não sair de lá até que aquele homem estivesse a salvo e gritando aos montes tudo aquilo que representava meus sentimentos. Era uma senhora de 74 anos que insistia em dizer (gritar) que se tratava de um ser humano!
                Pobre senhora! Enquanto eu era seus braços levantando-o do chão e protegendo-o de qualquer outra agressão, gritando aos ventos se alguém sabia a porra do número da ambulância, ela era massacrada com aquelas frases. Sabe? Aquelas... "Pega pra criar", "Pode ser seu filho assassinado por este homem" e por aí vai. Além, é claro, as ameaças "silenciosas" dos que passavam ao nosso redor dizendo que "a noite ele viria a faca que merece". De fato, a noite não estaríamos ali... E nem os policiais.
                Sim, procurei pela ajuda dos policias. Um deles foi categórico ao dizer que nada faria e que sequer sabia o número da emergência (AH TÁ!). Diria eu que foi até corajoso, pois aquele ponto ele corria sérios riscos de morrer (fui contagiada pela violência gerada pela violência).  Outros três policias que encontrei mais a frente disseram que nada tinham visto (AH TÁ!).
                Essa história não tem um final feliz. O homem, agora bêbado, sem alguns dentes, desorientado e ainda com aquela assustadora pasta de sangue na boca pediu para que eu e a senhora o deixasse em paz e, apesar das nossas tentativas de mantê-lo a salvo até que alguém me dissesse a PORRA do número da emergência, partiu. E todos nós sabemos que o que sobrou de dentes seriam arrancados em breve.
                Essa história não tem um final feliz... Porquê ela não tem um final. Porquê ela se repete. Porquê "bandido bom é bandido morto".
                Essa historia não tem um final feliz porquê é fácil não ser bandido quando se teve educação, casa, condições e oportunidades de trabalho. Mas me pareceu ser bem fácil ser um assassino com todos esses valores familiares.
                Ao fim (sim, teve um fim... para mim e aquela corajosa senhora), minha incrédula amiga alemã que me acompanhava me disse que eu fui heroica, que fui corajosa e que deveria trabalhar com serviço social!

                Não! Não fui heroica, não fui corajosa e não preciso ser uma servidora social! Eu fui apenas humana! Mais uma humana que ignora enquanto seguro minha cerveja esses e outros atos e situações sociais para não ouvir meus sentimentos de impotência, apatia e, consequentemente, conivência com esses e outros crimes. 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Os dados ainda estão rolando!

Faltando apenas 6 dias para a volta ao Brasil, o coração bate mais forte e a ansiedade, fruto de uma excitação e apreensão muito grande, faz com que os dias pareçam meses.
Não penso que voltarei ao Brasil, mas que deixarei Uganda. Não penso que voltarei ao Brasil, mas que verei meus pais e amigos. Não penso que voltarei ao Brasil, mas que a manga será arregaçada por vários outros projetos. Não penso que voltarei ao Brasil, mas que serei, novamente, anônima.
Como disse papai: a vida continuou sem você. E isso é um dos motivos da minha apreensão. Como estão meus pais? Quão diferente estão meus amigos? O point da galera continua o mesmo? E meus cachorros? Ainda me reconhecem? Conseguirei me reconhecer como brasileira de novo?
Em meio a essa confusão de sentimentos (deu pra perceber a neura, né?) a vida continua por aqui também e segunda-feira foi o dia de fazer uma grande surpresa para as pessoas mais esquecidas do mundo.
O fato do orfanato estar bastante vazio, pois as crianças estavam trabalhando (leia-se sendo exploradas), fez com que o lugar parecesse mais abandonado, escuro, sujo e sem vida do que de costume. Não importa em que condições, crianças sempre iluminam e dão vida a qualquer ambiente.
Com parte da última doação, feita pelo Piero. Compramos 4 bolas de futebol oficiais, uniformes e cones para treinamento. Os meninos da rua não querem estudar e, quando tentamos qualquer coisa do gênero, eles fogem para as ruas novamente. Não estão dispostos à trocarem suas liberdades por deveres, obrigações, trabalhos... Mesmo que isso signifique uma cama, família, comida, amor, esperança, sonhos... Dessa forma, o futebol representa um futuro, um motivo para levantar da cama todos os dias, um sonho. São cerca de 30 meninos com o maior sorriso do mundo e a mais sincera gratidão pelo "material de estudo". Buscamos profissionalizar ao máximo a pelada, para não incentivar a brincadeira, mas a determinação, o sonho, o trabalho, a criatividade e etc.
Também compramos vários colchões (a maioria dormia no chão ou dividia os pequenos colchões), mosquiteiros, cobertas, roupas, livros, escovas e pastas de dente, comida e etc. Não é difícil imaginar o resultado: muito choro, agradecimentos, abraços, empolgação, curiosidade, esperança, emoção...
Obrigado Piero, Rafa, Mamma, mulecada, Luzia, Victor, todos os doadores do Brasil, vizinhos e colaboradores da nossa Mamma, apoio de amigos e colegas do Brasil... Todos vocês juntos mudaram o futuro de centenas de pessoas e a minha emoção não me deixa ter palavras suficientes para agradecer.Acho que agora todos entendem o título do blog, né?


"You may say I'm a dreammer, but I'm not the only one..."


Esqueci de descarregar a câmera com as fotos do dia, mas prometo que elas vem por aí.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Palhaço do Mundo

São ELES que sorriem demais ou NÓS que sorrimos de menos?
Seja uma risada tímida ou extravagante, é sempre infantilmente honesta.
Coisas bobas, sem graça... Que não merecem o esforço dos meus músculos faciais geradores de rugas.
São eles bobos ou eu conhecedora do humor inteligente demais? Pois, na minha terra, gargalhar em um falso show de boxe é desconhecer Charles Chaplin.
Teria eu aprendido tão perfeitamente a selecionar e segurar a minha risada? Teria a graça, na minha terra, se transformado em algo forçado? Falso? Sem graça?
Seria esse povo tão mais engraçado que o meu? Tão mais conhecedor da graça? Tão mais honesto? Tão mais... Feliz?


Mas... e no final? Quem é o palhaço?



segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Virou, mexeu, e o ano acabou!


          O ano acabando e é sempre tempo de reflexões, retrospectivas, amor, união, perdões, romantismos... Umas pena precisarmos dessas desculpas pra incentivarmos tudo isso, mas que bom que, de uma forma ou outra, tudo vem. Pra mim vem na ponta do lápis e, sempre, cheio de emoções e bixisses.
2011 foi inesperadamente emocionante. Aprendi muito com os outros... Muito mais do que um dia sonhei ensinar.
         Aprendi que 7 horas da manhã é na verdade 1 hora, pois a 1° hora do dia é quando nasce o sol! Aprendi que tenho milhares de preconceitos enraizados e que, alguns deles, custam à ceder à realidade. Aprendi que há SEMPRE uma mão estendida a você e, se estiver na África, encontrará, facilmente, algumas delas. 
         Aprendi o quão sortuda (?) sou por ter sido criada e amada pelos meus pais e pelo gordo, meu irmão. Não poderiam ser mais humanos, humildes, amorosos, sinceros, infantis e abertos ao amor, à verdade, à pureza... Aprendi que família não tem nada a ver com tipo sanguíneo e “one love” de Bob Marley REALMENTE existe e está longe de ser criação do cantor. Aprendi que há gente má em todo lugar, mas que a maior parte dessas pessoas só estão reagindo as nossas próprias ações. Aprendi que os “burros” não são assim tão burros e eu não sou assim tão inteligente. Aprendi que meu cabelo não fica tão fedido assim se lavado semanalmente. Aprendi muito sobre AIDS e HIV. Aprendi bastante sobre governança e democracia, ou melhor, falta de. Aprendi sobre meu paladar e cultura de comida. Aprendi que o diferente nunca é tão diferente assim. Aprendi que consigo viver sem água, energia e cerveja gelada. E, principalmente, aprendi que ‘feliz é aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina’.
         Desculpem a falta de atualização sobre os projetos, mas, para o fim do ano, tivemos mais estudos e almoços financiados, mais testes de HIV, jogos de futebol, um espancador de órfãos na cadeia e, claro, uma pessoa com uma preguiça injusta e irresponsável de postar detalhes.
         Que 2012 seja muito melhor que 2011 para todos nós e, principalmente, para aqueles que não conseguem ‘se virar’ com condições piores que as atuais.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Na cidade Grande (Quênia)


Passo despercebida nas ruas de Nairobi. Não tem ninguém virando a cabeça, me tocando ou nenhuma criança de boca aberta e perdendo as passadas ao ver o primeiro muzungo de sua vida.



Tinha esquecido o quão bom é isso!
Mas ao mesmo tempo entendi as reclamações Wangari Maathai (manda um google na velha por que ela é F-O-D-A). Quênia está sendo “desculturada” (só o Quênia?). As pessoas falam muito inglês e as crianças já não sabem falar a língua de sua família, de seu clã. Elas andam nas ruas como em São Paulo: pessoas bem vestidas, muito apressadas, sérias e sem perceber o mundo ao redor.
A globalisation chegou aqui, galera! E trouxe consigo todos seus benefícios e, claro, malefícios. Trouxe o relógio, o mundo corporativo, marginalização e violência (Nairobi está assustadoramente cheio de violência urbana).
Está para o leste africano assim como os EUA está para a América do Sul (nossa! Fui má com o Quênia agora). Aqui se concentra as sedes das maiores organizações internacionais, programas e embaixadas.
Parece ser uma cidade legal, desenvolvida, bem diferente de Uganda. Há parques, árvores, é relativamente limpa, há regras de trânsito e transporte público, leis sociais como a proibição do fumo e venda de comida nas ruas, grandes prédios, hotéis...
Há muitos imigrantes e refugiados no Quênia e eles têm a sorte de encontrarem aqui um povo muito hospitaleiro e sempre pronto para ajudar. As vezes tenho a impressão de que vão me cobrar pela informação e ajuda, tamanha é a atenção e envolvimento. É possível identificar as diferentes raças, religiões e tribos. Aqui eles são mais claros, tem muito muçulmano, muitos etíopes (ou pelo menos parecem ser) e vários muzungos. Muzungos que parecem moradores do Quênia, empregados permanentes. Em Uganda encontro os branquelinhos de passagem. Aqui, estou acostumada aos indianos, ugandeses (AH) e chineses.
Ah! A comida! Esse paladar cansado de arroz, feijão e batata doce de Uganda, agradece muito a estadia nessa cidade cheia de opções locais, muito boas e de diferentes preços. A alimentação local ugandesa é extremamente ruim. As pessoas comem TODOS os dias as mesmas coisas o que não inclui qualquer vegetal, mas muito óleo, fritura e carboidrato.
Acho que isso é primeira impressão suficiente. Principalmente pra uma pessoa que sofreu com uma ressaca  de botar o estômago pra cantar ciranda cirandinha e uma amidalite que já tá dificultando a alimentação (o fim do mundo pra uma pessoa 6 quilos mais gorda!!)

HAKUNA MATATA (Sem problemas em Swahili – Língua mais falada na África e principal língua no Quênia)



quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Histórias de Paixão e Abandono IIII

Continuamos os projetos agora com outra mão de ajuda: Luiza Abdalla!
Estou muito feliz de ter uma amiga por perto, pra poder compartilhar, entender e viver Uganda. Por que, eu juro, não há palavras que conseguem expressar o que é isso e eu tenho muita preguiça de escolhe-las cuidadosamente pra tentar explicar e elas nunca serem suficientes.
Na terça-feira conseguimos um grande avanço pra três voluntarios sem fundos e sem instituição de apoio. Conseguimos que uma organização fosse até a escola e fizessem testes de HIV, dessem suporte e aconselhamento e também tratamento gratuito. Chamamos um grande número de pais e crianças da comunidade e lá estávamos nós, felizes da vida e prontos para também nos testarmos.
Na quarta-feira fomos visitar alguns desses pais e ajuda-los com um pouco de carinho, atenção, conversa e, claro, a doação de vocês!
Aqui seguem suas histórias e como ajudamos um pouquinhos a mudar o destino dessas crianças e desses
pais.


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Nangabi Mercy é uma menininha de 4 aninhos apenas, mas que não sabe sua data de aniversário. A mãe é analfabeta e não sabe esses detalhes sobre os 5 filhos que tem. Ela desconversa sobre o pai das crianças, pois é difícil essa vida de abandonada.
Na primeira conversa que tivemos, ela também desconversou sobre HIV e apenas um mês depois admitiu ser portadora do vírus.
As seis pessoas se apertam em um cômodo pequeno (BEM pequeno) e ela não possui muitas perspectivas além da diária, pois se quer tem um emprego.
Levou suas crianças para o teste coletivo e descobriu que são soro-positivos. Depois de um pouco de conversa e alguns conselhos sobre tomar os remédios direitinho e cuidar da saúde das crianças, ela começou a lacrimejar e aos poucos as lágrimas se tornaram um choro de verdade. Era fácil ler naquelas lágrimas a dor e culpa por ter contagiado seus filhos. A dor de saber que as pessoas que você mais ama sofrerão o mesmo preconceito, medo, e problemas que a doença acarreta. O medo de perde-los... Por um minuto eu desejei que ela não tivesse descoberto e que eles nunca soubessem e passassem por aquele sofrimento, mas sei que isso seria, não só uma sentença de morte, como também o contagio de muitos outros inocentes.
Para as duas crianças na escola pagamos um ano de almoço e um semestre de escola.



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Galinda Ruth tem 8 aninhos e é mais uma criança abandonada pelos pais e criada pelos avós. Nesse caso, trata-se de uma avó, viúva por conta da conhecida doença "felt sick". Vende papel na rua e cuida de dois netos. Tem HIV, mas não quis levar os netinhos ao teste de HIV coletivo por medo dos resultados e medo de isso ser exposto à comunidade.
Quando demos o recibo com o valor da doação e que ela não precisava mais se preocupar tanto, pois as crianças teriam, por um ano, almoço e a escola estava parcialmente paga.
Ela gargalhou, pois nunca esperava ser a sortuda do dia e receber toda essa ajuda de vocês, aí do outro lado do oceano.
Agradeço à vocês pela ajuda e também por todas as avós de Uganda que acolhem seus netos e vivem suas vidas lutando por elas sozinha.




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Difícil entender a grande e complexa família do Teeko Meddy de 7 anos. Moram em aproximadamente 13 pessoas. Digo aproximadamente por que casa de africano é assim. Todo mundo faz parte da família e é sempre bem vindo. Quando chegamos lá, começou uma correria, pois estavam desavisados e não sabiam o que fazer pra esconder toda a sujeira e arrumar algum lugar pra sentarmos.
Possuem 5 crianças na escola e mais um monte em casa. A avó, o tio-avô, o tio, a mãe... todos se "acomodam" em dois cômodos e dividem também a doença maldita! Apenas uma das crianças foi testada na escola e é soro-positiva. Dividi alguns conselhos e fizemos a doação pagando almoço e escola para as crianças.
Que eles sejam muito felizes nessa grande família cheia de problemas e de muito  e amor!




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Essa pequena Nalubega Halima de 7 anos é uma delícia. Não tem como não rir e se divertir com a pequena garotinha que vive no mundo do silêncio. Ela é surda e muda e por isso foi abandonada pelos pais. É criada pela avó que, por sua vez, ganha a vida vendendo água. Moram em três na casa: a avó e dois netinhos.
Pagamos também a escola e o almoço. Que parece fazer pouco sentido já que a escola não tem qualquer estrutura pra receber uma criança com tal deficiência. Os professores não são nenhum um pouco preparados.  Ela não faz as mesmas atividades que as demais crianças e as vezes parece mais passando o tempo por lá. Mas pra minha surpresa ela na verdade consegue associar as coisas muito fácil, muito rápido. Aprendeu a ler, desenhar e fazer alguns exercícios e tem notas bastante razoáveis considerando as condições de ensino dela. Apenas necessita de pessoas acreditando e incentivando seus estudos, aprendizados, sonhos... E, claro, profissionais preparados para tal. Mas nem vou sonhar tão alto né...



sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Histórias de Paixão e Abandono III


Esse é um exemplo do que MUITA paixão e MUITO abandono podem fazer na vida de duas crianças. Dois irmãos, Ecleu Silas e Opii Raphael.
Duas crianças que dividem um cômodo e vivem sozinhas, pois os pais vivem na vila e não têm condições de criá-los, educá-los ou alimentá-los. O tio mora perto e, por vezes, os acompanha  e dá alguma comida. O pai, recentemente, retornou para Kampala, deixando a esposa na Vila, para tentar algum emprego na cidade grande e vive, agora, no mesmo cômodo que os dois meninos.
Esses pequenos grandes meninos administram o pouco dinheiro que o tio/pai deixa para que seja comprada comida, assim os dois cozinham ou, por vezes, não comem, pois o dinheiro não é suficiente para quase nada.
Eles estudam na escola, porém não pagam, não possuem uniformes e não comem. Passam todo o dia sem comer nada.
A diretora da escola é puro elogios às crianças e eu pude ver o por que. Fiquei emocionada com a pureza que os dois têm, a inocência, sempre procurando ajudar, sempre dispostos a fazerem tudo, muito educados, tímidos. Quando o irmão mais velho nos acompanhou até a sua casa para que fizéssemos doações e pagássemos sua escola e o ano todo de almoço para os dois, ele esqueceu todo seu material na escola, mas não foi preciso voltar, pois no meio do caminho encontramos seu irmão mais novo carregando todos seus livros pesados em meio à muita lama e muito molhado devido à chuva. Um amor e uma proteção mútua de arder os olhos (mas é que tinha muitos ciscos no ar aquele dia rs).

A diretora/dona da escola com o pai e um dos meninos.



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A mãe da Kitamilike Patience cuida de 9 filhos em um pequena casa sem ter qualquer emprego. Os filhos maiores, em idades escolares, não vão à escola, pois a mãe não tem qualquer condição. Entre os nove filhos, dois estão na escola, na qual ela não paga e não serve comida. A única escola que aceita esse tipo de situação e que possui uma relação diferenciada com os pais e as crianças, pois se trata de uma escola bem precária, bem local, com poucas crianças...
O pai é HIV positivo, mas ela não o vê há anos. É mais um homem com diversas famílias onde as mães, nada podem fazer. Quando chegamos lá, a mãe se emocionou muito com a surpresa e disse que deus sabe o que faz, pois a dois dias estava anunciando às crianças que a escola não seria mais possível, pois ela já não sabia o que fazer e de onde tirar dinheiro para tal. Disse que estava orando muito, mas que não via a resposta e que agora entendeu o caminho que deus fez e ajuda que lhe enviou. Eu, uma pessoa descrente, fiquei divagando como eu entrei na vida de determinadas pessoas e não de outras? Como fui o link entre vocês, aí no Brasil, e essas pessoas aqui em Uganda? Enfim... Uma brisa que eu ainda não estou preparada para enfrentar.

Nossa! Parece que saí de uma balada open bar!

Lindinha!


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A avó do Mujuni Allan é um doce de mulher e cuida dos netos abandonados pelos pais. Essa senhora vende vegetais em uma barraquinha e é solteira. Segundo ela, o marido faleceu há anos: he felt sick.
Apenas uma das crianças freqüenta a escola e, claro, não possui uniforme e não paga a mensalidade. Segundo Allan, ele tem tempo de almoçar alguma coisa pequena com a avó e voltar para a escola. Dessa forma, optamos por comprar a ele um uniforme, pagar a mensalidade e dar comida para a família. Quero que sobre dinheiro para ajudar o máximo de crianças possíveis.
O pequeno Allan é um sobrevivente, graças á ajuda da avó, pois possui pelo menos 11 irmãos (fora os meio-irmãos filhos do pai), e se quer sabe onde eles estão. Uma doçura de garoto e muito brincalhão. Adora futebol, leia-se futebol ugandês, onde a graça é todo mundo na bola chutando o mais forte possível. Não há gol, não há campo, não há estratégia, não há objetivo... Mas parece muito divertido (e um pouquinho violento hehe).


A lojinha da vovó.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Assistindo a morte de Uganda


Não vejo esperanças pra Uganda, minha pérola da África. É difícil admitir que Uganda estará 10 vezes pior na próxima geração. É muito difícil para uma pessoa otimista, sonhadora e idealizadora que sou.
Mas é impossível sonhar com outro destino quando Uganda já está condenada. E a culpa não é mais do colonizador, do capitalismo, do sistema e do ocidente (Tá! Eles terão sempre que ser condenados pelo mal que causam e causaram). A culpa é desse governo de 30 anos!!!!
Não há um governo, uma instituição a não ser na parte militar e diplomática no leste africano. Todos os investimentos do governo são nesse sentido: guerra! Seja ela local ou internacional.
O brother tá metido em todos os conflitos da região do leste africano e internamente investe na ditadura, na opressão e nos conflitos do interior do país que se arrastam por décadas e matam milhares de pessoas.
Não há qualquer investimento social e toda a grana do governo, que não é destinada à guerra, vai para o bolso. A corrupção é assustadoramente alta, ainda que comparada à países internacionalmente conhecidos por tal. Museveni vende os recursos de Uganda (floresta e energia, para citar apenas dois exemplos) para benefício próprio.
Ao mesmo tempo em que sonhamos, temos esperanças com o futuro de um país onde o povo e o governo estão dedicados à levar a população às escolas, melhorar sua saúde e educação, trazer investimentos, infra-estrutura, investir na profissionalização, empregos, investir nas instituições estatais, buscar parcerias para a promoção da moradia, água, luz e etc. É fácil imaginar o que ocorrerá em um país que não faz absolutamente NADA nesse sentido. Pelo contrário, tira sua grana e sua atenção é cada vez mais desviada da população e cada vez mais se apóia no bizarro número de instituições humanitárias  e ONGs que são os responsáveis pelas escolas, medicamentos, financiamento de estudantes, profissionalização e etc.
O governo valoriza toda pequena ONG e o maior negócio ugandês é abrir uma. Dessa forma, não é difícil imaginar que a grande maioria dessas instituições são falsas, sem projetos, fácil meio de corrupção e etc. Ao invés delas darem apoio ao governo, que possui suas própria ONGs e instituições de trabalho sociais, às quais fazemos doações frequentemente através dos impostos, elas, em sua maioria, forjam uma assistência nada embasada e recebem muito dinheiro pra isso. Já algumas das grandes organizações, com grana, e algumas das pequenas, atuam de maneira cega, apolítica e assistencial. Salvam a vida de milhares, mas acordam com essa situação que condena os outros milhões.
Não estou falando que o governo deveria seguir esse modelo internacional do FMI de infra-estrutura, investimento internacional e etc, como sendo a chave do sucesso. Mas, quando viajo pro demais países da região, não tem como não comparar e ver a morte do país sem carros, transporte público, estradas, hospitais, escolas...
Além disso, a idealista Barbara, fica sem opção diante de uma oposição fraca, única, sem qualquer estratégia ou objetivo a não ser o de pegar o poder (parece até uma briguinha pessoal com o amigo Museveni). A opressão do governo a qualquer movimento popular, ao invés de gerar mais revolta da população, gera risos (literalmente) e comodismo. Aceitação de um destino, uma vida extremamente miserável.
Vejo a situação das pessoas e não consigo imaginar como seria se estivesse na mesma situação: sem governo, sem esperança, sem estudo, condenado à qualquer pequena doença, sem terras para plantar, preocupada apenas com a comida dia-a-dia, sem água, emprego ou esperança de um (quando visito as pessoas e as ajudo, elas me pedem que a ensinem algo, que as ensinem alguma coisa que possa render algo). Isso para falar de uma família comum de Uganda. Não quero nem imaginar a vida de um morador de rua.
É extremamente difícil imaginar a realidade, mesmo que essa análise seja bem próxima como a minha, é mais fácil olhar de fora. Eu tenho pra onde voltar, sou graduada, tenho tratamento médico, tenho comida, tenho mãe e pai presentes, tenho uma justiça à apelar, tenho uma polícia à recorrer... Claro que essa não é a realidade da maioria dos brasileiros, mas é a minha e, com certeza, a sua que está lendo isso. E é por isso que estou falando da dificuldade de se colocar no lugar do nosso semelhante, justamente por que não os vemos como semelhantes. Não temos a mesma cor, religião, cultura, não frequentamos o mesmo bar, não vestimos a mesma roupa, não comemos a mesma comida...
Nessa lógica, por que os EUA se preocupariam com a morte dos somalis? Ou você pararia o seu dia super corrido para se preocupar se o mendigo da sua rua almoçou ou não?
Desculpa o pessimismo, mas talvez se mantiver sempre o idealismo não conseguirei nenhuma mudança real, baseadas no ser humano real, na realidade, nos governos e etc.
Ainda assim, se eu não acreditar no ‘one love’, que só os africanos sabem o significado, se eu não aprender com eles como dar a mão aos semelhantes (que inclui você aí branquinho brasileiro), sentarei, seguirei minha vida, pois a luta é nula, a melhora de um povo, uma pessoa, sempre significará a piora e morte de outro.
A luta é para que eu tenha menos e outros mais! Enquanto eu estiver ficada na luta pela minha promoção no fim do mês, não posso desejar um mundo mais justo.
Bato na tecla do ‘muda que o mundo muda com a gente’ de maneira chata e exaustiva, mas é para que eu mesma não esqueça de mudar TODOS OS DIAS os hábitos e verdades que me foram ensinados, enxergar meus semelhantes nas ruas, não ignorar meu irmão passando fome. Bato nessa tecla para tirar você da inércia do sistema, para que me ajude a ter forças para ir na contra-mão. Bato na tecla para que você pare de esperar a mudança do outro e para agir e pare de repetir o discurso de que “infelizmente é assim que as coisas são “ ou de que você “precisa pagar seu aluguel no fim do mês”.
Você precisa pagar seu aluguel no fim do mês ou precisa daquele sapato de 200 conto? Daquele happy hour no outback? Daquela balada openbar de 100 reais? Daquele carro dois anos mais novo que o seu? E, claro, pagar o aluguel do apartamento de 3 quartos em Perdizes?
“Infelizmente é assim que as coisas são”. Você está aceitando a morte de seus semelhantes pela fome ou por uma diarréia. Você tá aceitando que o dono da empresa que você trabalha ganhe 50 salários mínimos enquanto outros morrem de frio nas ruas. Você tá falando que aceita entrar na briga e está ao lado dos 50 salários mínimos, mesmo que isso signifique a morte de uma pessoa.

NÃO TENTE DIVIDIR A CULPA, POIS ELA É TODA  SUA!

sábado, 26 de novembro de 2011

Etiópia e seus burros de carga

Fiquei impressionada com o número de burros em Etiópia e sua importância. Carregam tudo, estão à frente das charretes, trabalham duro, sangram, apanham, andam aos montes...
Tirava foto a todo minuto, pois não estou habituada à vê-los. Mas aos poucos eles se tornaram corriqueiros demais para merecerem todo o meu esforço em tirar uma foto (já contei que morro de vergonha de tirar fotos, de mostrar que tenho uma câmera à pessoas que não tem o que comer. De mostrar que acho seus hábitos bizarramente diferentes e que quero registrar essas anormalidades. Tá, eu não acho isso, mas temo que as pessoas pensem isso).

Mas, infelizmente, o título remete a um outro burro de carga ainda mais comum, mais trabalhador, mais machucado: a mulher!
Os homens caminham calmamente pelas ruas, alguns esperando o próximo alvo de golpe, outros são homens comuns que riem, se divertem, se dão ao direito à uma cervejinha pós-jornada de trabalho (e por que não durante?), caminham em grupos, estão nas esquinas... E os burros mulheres correm, com os peitos descobertos, descalças, aparentando ao menos 60 anos quando normalmente têm apenas 30. Estão extremamente curvadas para compensar todo o peso que carregam nas costas. Esse serviço duro, sujo, indigno, o trabalho do burro de carga é por conta delas. Recebem poucos trocados para transportarem madeiras, frutas, verduras... Correm para carregar o maior número possível de coisas para que o homem agricultor lhe pague mais. Carregam o triplo de seus pesos por quilômetros e não se permitem ao descanso, à fraqueza.
Os burros são aqueles que, antes mesmo do casamento, já pediam por trabalho duro (em algumas tribos pedem por xibatadas) para provarem às famílias de seus futuros maridos que eram fortes e trabalhadoras o suficiente.
Esses burros, analfabetos, claro, que não têm o direito à uma cervejinha ou uma proza ao fim do dia, pois seus trabalhos não foram o suficientemente árduo para tal. Eles ainda têm que alimentar seus filhos e maridos, lavar as roupas, as casas, cuidar da horta, banhar à todos...
O trabalho do burro de carga não é valorizado. Pelo contrário. É um serviço fácil, uma obrigação e é extremamente exigido à perfeição, caso contrário, tem-se o direito à troca, abandono, substituição.
O trabalho do marido, aquele que trás o dinheiro, esse sim é o importante. Sem o homem, não há família, não há comida, não há roupa... Ele é quem tem o dinheiro à se estressar, se distrair com amigos e outras mulheres. Não o burro de carga!

Preparado para o calendário 2011 dos burros de carga etíopes?



Começando cedo

E terminando tarde






Resta aos homens carregarem os livros



O feminismo não é uma luta pela supremacia da mulher em detrimento do homem, como muitos gostam de enxergar, É uma luta por menos sofrimento... Morte até. Uma luta por reconhecimentos, posições, trabalhos, direitos e deveres iguais. Uma luta por respeito!
Esse burro de carga etíope não está feliz. O rosto e olhar delas não expressam isso. E os burros de carga brasileiros e do restante do mundo também não.
Não é muito difícil enxergar um burro de carga dentro das nossas casas. Aquela que trabalha duro como dona de casa, mãe e esposa, mas que as pessoas entendem seu serviço como ócio, vida boa, diversão com os filhos. Aquela que sempre trabalhou fora de casa, tão duro quanto o marido, mas que ao chegar em casa, ainda tem os filhos e o marido pra cuidar, a casa pra limpar, arrumar a lancheira, fazer o dever de casa, preparar a roupa do dia seguinte... Mas o homem tem o direito à se estressar com o trabalho, assistir TV, comer uma boa comida, tomar aquela cervejinha relaxante.
Isso pra mostrar apenas uma realidade mais próxima da minha e dos meus amiguinhos da PUC. Mas vamos dar um pulinho no nordeste do Brasil e acharemos mais uma infinidade de burros de carga.
E é nesse contexto que ouvimos e lemos os discursos sobre o feminismo estar fora de moda, sobre ele ser uma luta preconceituosa e que alimenta o vão entre homens e mulheres e, ainda, que a luta julga a vida desses burros mulheres desconsiderando se estas são felizes, se assim querem viver, se faz parte de sua cultura e etc.
Eu, mulher, vinda de uma situação extremamente privilegiada, graduada (e a DP de política III, Sra Barbara?), nunca terei um salário do mesmo valor de um homem da mesma situação que eu, nunca serei alvo de confiança e ouvida tanto quanto um homem é. Nunca serei tão competente e inteligente tanto quanto os homens são. Meus livros (hein?) nunca serão textos bases nas faculdades. E, no fim do dia, eu sempre terei que dar janta, organizar a mochila e cortar as unhas do meu filho.
Àqueles que falam que proteção contra o racismo é preconceito, que proteção legal e conscientização nas escolas sobre a homossexualidade é héterofobia e que promoção e luta pelos direitos das mulheres é opressão de gênero, experimente ser minoria um dia e carregar o mesmo que a mulher àbaixo, e aí eu te respeito, camarada.



sábado, 29 de outubro de 2011

Histórias de Paixão e Abandono II





Oito pessoas se apertam em um cômodo, incluindo o pequeno Gimbo Patience. A mãe, sem emprego, 5 filhos, cuida das duas irmãs adolescentes, que não trabalham e nem estudam.
O pai das crianças morreu a alguns anos vítima de ‘felt sick’ (se sentiu doente). Doença essa que abrange ou não todos os tipos de sintomas, causa a morte ou não, pode ser sinônimo de AIDS ou não e pode esconder um abandono ou não.
O fato de as pessoas não saberem a causa da morte de seus parentes esconde, dentre outras coisas, um sistema de saúde ridículo. As pessoas, ao se sentirem doentes, não possuem atendimento médico e por isso nunca entendem a doença que levou embora seu marido, filho, mãe... Pode ser uma simples diarréia ou até mesmo a AIDS.
Não é difícil imaginar a luta dessa jovem mulher, que ainda tem a ‘sorte’ de ter nascido em Uganda e por isso contar com a grande solidariedade dos vizinhos, familiares, conhecidos de conhecidos... Estes são os responsáveis por não termos aqui, o grande número de moradores de ruas que encontramos no Brasil, por exemplo. Esses são os responsáveis por essa jovem mulher conseguir dar de comer aos seus filhos uma vez ao dia. E esses são os responsáveis por manter essas crianças na escola, mesmo sem pagarem mensalidades.
Agora, vocês são os responsáveis por essas cinco crianças terem a escola e um almoço garantido por ao menos 6 meses.

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O pai do Kaye Desmon o abandonou antes de seu nascimento e sua mãe fugiu para tentar uma vida. Fazendo de tudo para ter um futuro normal de uma criança de 13 anos. Deixou seu filho aos cuidados de sua mãe e foi para a vila, onde ninguém conhecia seu passado sombrio de mulher usada.
Nessa história, a avó do Kaye cuida de 5 netos. Sozinha, essa senhora solteira, deixada pelo seu marido quando nova, HIV positiva, desempregada, luta para a sobrevivência dos seus netos com todo o amor e cuidado que oferece não só a eles, mas a todos que a cercam (tive o privilégio de sentir esse carinho).
Não consigo parar de me perguntar o que acontecerá com essas crianças quando a avó partir, já que está muito fraca e debilitada por conta da AIDS. Mesmo sabendo de toda a solidariedade ugandesa, ainda vejo muitos órfãos nas ruas...
A escola e o almoço dos netinhos estão garantidos por um bom tempo, e o sorriso dela ao ver toda aquela comida (doces, pães, leite, água, arroz, feijão...), me encheu de satisfação por ajudar quem tanto ajuda.




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Finalmente fui visitar a doce Naluzze Viola. Tá, admito, ela é meu docinho de coco(eu sou meio bixa quando amo tanto). A conheço antes de todos os projetos, antes de qualquer relação com a escola e com as crianças, antes mesmo de saber como lidar ou fazer carinho em uma. Morávamos perto e sempre conversávamos. Não consigo explicar quão carinhosa e respeitosa essa menininha é. Sempre me fazendo carinho e me perguntando se um dia eu a levarei comigo para o meu país.
Infelizmente, a realidade de seus pais me preocupa sobre qual será o resultado disso na doçura da Viola. Seu pai é portador do vírus HIV e tem 18 filhos (até onde ele sabe). A mãe, analfabeta, se recusa a fazer o teste ou admitir ser portadora do vírus, mesmo com todos os conselhos e pedidos do pai. Ela foi mãe pela primeira vez aos 13 anos e hoje divide um cômodo com 11 pessoas, dentre elas seus filhos, e outras crianças, algumas deixadas lá por amigos/parentes e outras filhas do pai.
O pai falou que está tomando todos os remédios e após 5 meses sem nos vermos, nós dois vimos diferenças. Eu o achei muito mais novo e forte e ele me achou muito mais... Gorda!
Disse que a mãe não o quer mais e que o culpa pelo vírus (mesmo não admitindo ser portadora). Assim, ele me diz que não força nada (uhuu ainda há esperanças para os homens de Uganda) e que dorme em outro lugar. Fiz questão de frisar o uso da camisinha para ele, portador de HIV, quando dorme com outras mulheres, pois, né, um bom macho ugandês tem que satisfazer suas necessidades (palavras dele, juro que não é resultado do meu preconceito e generalização aos homens de Uganda).
Vocês pagaram às duas crianças na escola mensalidades e mais um monte de comida.
Creio que essa família precisa mesmo é de assistência, suporte, aconselhamento... Estamos organizando para trazer novamente médicos para testarem as crianças e, dessa vez, também os pais e o restante da família, pois vejo nas famílias, que esse estigma social e esse desconhecimento em relação à doença é o principal fator (tá, vamos excluir o sistema de saúde dessa lista) da morte precoce de um HIV positivo. As pessoas que vi, as pessoas que conversei (cerca de 400 famílias), temem fazer o exame e mesmo quando sabem de sua condição (no caso de mães que descobrem durante o pré-natal), escondem e não procuram cuidados médicos necessários. Dessa forma, quando buscam um atendimento profissional, geralmente é tarde demais.





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Durante meus workshops (nossa estou me achando tão profissional), eu alerto sempre sobre a necessidade de nos testarmos juntos, como casal e sempre me dou como exemplo: eu, Barbara, me testo 4 vezes ao ano.
E é nessa hora que todo mundo fica impressionado e começa a considerar se testar. Só tem um probleminha: eu nunca me testei na vida!
A nossa realidade no Brasil é bastante preocupante e quando analiso os números vejo uma maior conscientização dos homossexuais e uma redução significativa do número do contágio, entretanto um aumento significativo do contágio entre heterossexuais.
E isso faz todo o sentido pra mim. Conversando com os meus amiguinhos super cool da balada eu vejo que a preocupação é em relação à gravidez e a camisinha é coisa de inexperiente: sexo de verdade é “no pêlo”. AIDS? É doença de gay, não pega em hétero.
Pergunta pra qualquer universitário, pra qualquer aluno de RI-PUC (os donos de todas as verdades), pergunta qualquer coisa sobre AIDS/HIV. Ninguém sabe nada! Sabe o básico. O básico que eu sabia antes de chegar aqui e ter que estudar muito pra poder entender sobre a doença e sobre as relações e problemas sociais em volto à doença.
Temos que nos informar à respeito (e não estou falando daquela galera chata que vai nos colégios falar sobre drogas e doenças sexualmente transmissíveis. Blé!). Temos que nos testar. Temos que usar camisinha. Temos que conversar sobre isso. Acreditem em mim, por mais que você ache que saiba sobre AIDS, você não sabe nem 50%. AIDS não é coisa de bixa e africano!!
Fica a dica galera, tirem uns minutos do almoço e vão se testar com a galera do seu trabalho, o resultado sai praticamente na hora, tempo de um cafézinho brasuca e é de graça. :)

Ao fim, a tentativa de arrancar um sorriso do Atuíne. Nem preciso falar que tive cólicas de riso quando ele tentou imitar o meu sorriso a la velhos pedófilos sedutores de criancinhas:


quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Histórias de Paixão e Abandono

Hoje fomos visitar a escola de uma das favelas em que morei. Trabalhei nessa escola, sou amiga da comunidade e considero a diretora e sua família minha própria família.
Conheço as histórias de vida e os problemas de muitas famílias e alunos da escola e, por isso, sei exatamente à quem distribuir um pouco do dinheiro que recebemos das doações do Brasil.
By the way, tenho novos agradecimentos da galera que fez tudo isso acontecer e os dedico esse post, de coração:
Mari Doher
Cássio Gomes
Camila Chabar
Liliana Bermudes
Roberto Santos
Juliana Lavorini
Anna Gimenez
Lívia Gouveia
Luiza Pinheiro
Rê Dias, Hummberto, Luana, a mãe e o irmão da Luana, Camila, Alethea, Cibele, Vagner, Licia, Tia Neide, Regina e vó Neuza. (Uma vaquinha só rs)

Seguem algumas fotos da escola:


Cozinha, onde serve mais os professores do que os alunos, já que estes não têm dinheiro para pagar a merenda e passam os dias (das 8 ás 17 hrs) sem qualquer tipo de alimento.




Banheiro

Água para lavar as mãozinhas. Uma penas as crianças às confundirem com água potável...

Dedicamos nosso dia à três famílias que eu já sabia da urgência de seus problemas e aqui narrarei três histórias de paixão e abandono.

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Conheci a mãe da Najengo Hadijja dia 30 de março deste ano e encontrei uma mulher muito bonita, 32 anos, mãe de 8 crianças, sendo que pariu pela primeira vez ao 20 anos.
Seu marido, muçulmano, tinha várias famílias, que não conviviam entre si. A religião, nesse caso, não explica o descaso com as mulheres e filhos. Homem este que engravidou muitas mulheres e tinha várias "famílias". Não pode prover nada à eles, como "manda" a sociedade patriarcal e extremamente machista de Uganda e a religião muçulmana, na qual você pode ter várias mulheres, mas que estas sejam 'bem cuidadas'. Morreu à três anos atrás vítimas da AIDS e deixou essa mulher e essas 8 crianças ao vento.
Uma mulher que nunca mais poderá se casar, não teve qualquer estudo, não tem qualquer dinheiro ou família para apoiá-la. Quando a conheci, morava nas redondezas, agora vive com seu irmão por período bastante temporário até que ache outro lugar.
Tem 3 crianças na escola. Elas andam longos Quilômetros para chegar a escola. Acordam muito cedo (4 horas da manhã) para dar tempo de fazer todos os afazeres domésticos e chegar na escola à tempo.
Além disso, passam o dia inteiro sem comida.
Alguém aí conseguiria brincar na hora do recreio ou dividir 10 por 2?
A mãe está preocupada, pois as crianças adoecem sempre, por diferentes motivos e ela não sabe ao certo o que fazer. Lembram que o pai morreu de AIDS?
Com o dinheiro que vocês nos deram, fizemos uma boa compra de supermercado, compramos materiais escolares, pagamos suas escolas e um ano de merenda para todos os 3.



Pena que não tirei foto do quão surpresa e sorridente ela estava. Não tinha palavras... e nem eu!

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Conheci a mãe do pequeno Kiwuwa Benedicto dia 14 de abril. Na primeira conversa, quando perguntei sobre HIV, ela me respondeu que nunca havia se testado, mas dois meses depois, descobri que ela, na verdade, era HIV positiva e já havia desenvolvido AIDS.
As histórias se repetem em relação aos maridos. O homem a abandonou com seus oito filhos e a sua herança carinhosa, o HIV.
Não tenho fotos ou se quer boas notícias sobre ela, pois quando a fui visitar com toda a surpresa, tive a infelicidade de receber a notícia de que ela estava internada. Dificilmente sairá e se sair, será por pouco tempo. Escondeu sua doença do mundo, pois se sentia culpada. Tinha que esconder de todos que era uma mulher impura, usada, punida por deus. Não adianta explicar que com todo amor e paixão do mundo, se entregou e confiou em um homem quando tinha seus 16 anos. Teve seu primeiro filho e dedicou toda sua a vida a gerá-los, cuidar da casa, ser fiel e bem vista na sociedade, cozinhar bem e ser sempre amável e de poucas palavras. Não adianta todo esse passado, não adianta explicar que enquanto se dedicava à família, seu marido estava se 'dedicando' à outras famílias e que não demorou à se livrar de alguns 'pesos'.
Ninguém vê 'a coitada' quando contamos que essa mulher, agora, não pode cuidar de seus oito filhos, está muito doente, e provavelmente os deixará, quando ainda são pequenos, muito pequenos.
Depois do momento de tristeza ao saber que a mãe estava internada, fiquei feliz por ver que as crianças tinham algum tipo de amparo. A avó das crianças está cuidando delas e também de sua filha internada. Fiquei bastante surpresa ao conhecer aquela jovem avó, mas entendi toda sua bondade quando me contou que na verdade não era a avó verdadeira, mas tinha adotado a mãe das crianças quando ela tinha apenas 6 anos de idade e ficara órfã.


Avó e um dos 8 netos.


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A mãe do Saazi Husein é uma pequena mulher, toda envolvida em seu turbante e muito, MUITO, tímida. Costuma sair para vender alguns legumes na feira local, mas o costume mesmo, é se virar com pouquíssimo dinheiro e uma família de 6 para alimentar e sustentar.
Vivem em um único minúsculo cômodo. Moram ao lado da escola e voltam para a casa durante o almoço para.... Brincar!
Não há comida nesse pequeno cômodo onde se apertam os filhos e uma mãe solteira, cujo única esperança é  conseguir algum trocado e talvez um pouco de comida para a janta.
Enjoei de falar sobre os maridos... Vocês já os conhece bem, não?
Mas pelo próximo ano, as crianças terão almoço servido na escola, que se resume à posho (farinha com água) e feijão.
Ah, e claro que a gente os encheu de comida para a próxima semana, material escolar e muitas guloseimas de criança (biscoitos, sucos, chocolates...).






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Mais uma vez, muito obrigado à todos que estão ajudando. Estou bastante emocionada com todo o carinho de vocês com as pessoas daqui e, acredite, as famílias e crianças ugandeses estão muito felizes. Queria poder filmar cada sorriso, cada lágrima, cada frase em luganda que você não entende nada, mas sabe EXATAMENTE o que a pessoa está falando, cada aperto de mão, abraço, cada ajoelhada de agradecimento, cada feição esperançosa....
Valeria muito mais do que qualquer tentativa ridículo minha de expressar isso por eles...







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Welaba ;)