sábado, 26 de novembro de 2011

Etiópia e seus burros de carga

Fiquei impressionada com o número de burros em Etiópia e sua importância. Carregam tudo, estão à frente das charretes, trabalham duro, sangram, apanham, andam aos montes...
Tirava foto a todo minuto, pois não estou habituada à vê-los. Mas aos poucos eles se tornaram corriqueiros demais para merecerem todo o meu esforço em tirar uma foto (já contei que morro de vergonha de tirar fotos, de mostrar que tenho uma câmera à pessoas que não tem o que comer. De mostrar que acho seus hábitos bizarramente diferentes e que quero registrar essas anormalidades. Tá, eu não acho isso, mas temo que as pessoas pensem isso).

Mas, infelizmente, o título remete a um outro burro de carga ainda mais comum, mais trabalhador, mais machucado: a mulher!
Os homens caminham calmamente pelas ruas, alguns esperando o próximo alvo de golpe, outros são homens comuns que riem, se divertem, se dão ao direito à uma cervejinha pós-jornada de trabalho (e por que não durante?), caminham em grupos, estão nas esquinas... E os burros mulheres correm, com os peitos descobertos, descalças, aparentando ao menos 60 anos quando normalmente têm apenas 30. Estão extremamente curvadas para compensar todo o peso que carregam nas costas. Esse serviço duro, sujo, indigno, o trabalho do burro de carga é por conta delas. Recebem poucos trocados para transportarem madeiras, frutas, verduras... Correm para carregar o maior número possível de coisas para que o homem agricultor lhe pague mais. Carregam o triplo de seus pesos por quilômetros e não se permitem ao descanso, à fraqueza.
Os burros são aqueles que, antes mesmo do casamento, já pediam por trabalho duro (em algumas tribos pedem por xibatadas) para provarem às famílias de seus futuros maridos que eram fortes e trabalhadoras o suficiente.
Esses burros, analfabetos, claro, que não têm o direito à uma cervejinha ou uma proza ao fim do dia, pois seus trabalhos não foram o suficientemente árduo para tal. Eles ainda têm que alimentar seus filhos e maridos, lavar as roupas, as casas, cuidar da horta, banhar à todos...
O trabalho do burro de carga não é valorizado. Pelo contrário. É um serviço fácil, uma obrigação e é extremamente exigido à perfeição, caso contrário, tem-se o direito à troca, abandono, substituição.
O trabalho do marido, aquele que trás o dinheiro, esse sim é o importante. Sem o homem, não há família, não há comida, não há roupa... Ele é quem tem o dinheiro à se estressar, se distrair com amigos e outras mulheres. Não o burro de carga!

Preparado para o calendário 2011 dos burros de carga etíopes?



Começando cedo

E terminando tarde






Resta aos homens carregarem os livros



O feminismo não é uma luta pela supremacia da mulher em detrimento do homem, como muitos gostam de enxergar, É uma luta por menos sofrimento... Morte até. Uma luta por reconhecimentos, posições, trabalhos, direitos e deveres iguais. Uma luta por respeito!
Esse burro de carga etíope não está feliz. O rosto e olhar delas não expressam isso. E os burros de carga brasileiros e do restante do mundo também não.
Não é muito difícil enxergar um burro de carga dentro das nossas casas. Aquela que trabalha duro como dona de casa, mãe e esposa, mas que as pessoas entendem seu serviço como ócio, vida boa, diversão com os filhos. Aquela que sempre trabalhou fora de casa, tão duro quanto o marido, mas que ao chegar em casa, ainda tem os filhos e o marido pra cuidar, a casa pra limpar, arrumar a lancheira, fazer o dever de casa, preparar a roupa do dia seguinte... Mas o homem tem o direito à se estressar com o trabalho, assistir TV, comer uma boa comida, tomar aquela cervejinha relaxante.
Isso pra mostrar apenas uma realidade mais próxima da minha e dos meus amiguinhos da PUC. Mas vamos dar um pulinho no nordeste do Brasil e acharemos mais uma infinidade de burros de carga.
E é nesse contexto que ouvimos e lemos os discursos sobre o feminismo estar fora de moda, sobre ele ser uma luta preconceituosa e que alimenta o vão entre homens e mulheres e, ainda, que a luta julga a vida desses burros mulheres desconsiderando se estas são felizes, se assim querem viver, se faz parte de sua cultura e etc.
Eu, mulher, vinda de uma situação extremamente privilegiada, graduada (e a DP de política III, Sra Barbara?), nunca terei um salário do mesmo valor de um homem da mesma situação que eu, nunca serei alvo de confiança e ouvida tanto quanto um homem é. Nunca serei tão competente e inteligente tanto quanto os homens são. Meus livros (hein?) nunca serão textos bases nas faculdades. E, no fim do dia, eu sempre terei que dar janta, organizar a mochila e cortar as unhas do meu filho.
Àqueles que falam que proteção contra o racismo é preconceito, que proteção legal e conscientização nas escolas sobre a homossexualidade é héterofobia e que promoção e luta pelos direitos das mulheres é opressão de gênero, experimente ser minoria um dia e carregar o mesmo que a mulher àbaixo, e aí eu te respeito, camarada.



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