quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Histórias de Paixão e Abandono

Hoje fomos visitar a escola de uma das favelas em que morei. Trabalhei nessa escola, sou amiga da comunidade e considero a diretora e sua família minha própria família.
Conheço as histórias de vida e os problemas de muitas famílias e alunos da escola e, por isso, sei exatamente à quem distribuir um pouco do dinheiro que recebemos das doações do Brasil.
By the way, tenho novos agradecimentos da galera que fez tudo isso acontecer e os dedico esse post, de coração:
Mari Doher
Cássio Gomes
Camila Chabar
Liliana Bermudes
Roberto Santos
Juliana Lavorini
Anna Gimenez
Lívia Gouveia
Luiza Pinheiro
Rê Dias, Hummberto, Luana, a mãe e o irmão da Luana, Camila, Alethea, Cibele, Vagner, Licia, Tia Neide, Regina e vó Neuza. (Uma vaquinha só rs)

Seguem algumas fotos da escola:


Cozinha, onde serve mais os professores do que os alunos, já que estes não têm dinheiro para pagar a merenda e passam os dias (das 8 ás 17 hrs) sem qualquer tipo de alimento.




Banheiro

Água para lavar as mãozinhas. Uma penas as crianças às confundirem com água potável...

Dedicamos nosso dia à três famílias que eu já sabia da urgência de seus problemas e aqui narrarei três histórias de paixão e abandono.

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Conheci a mãe da Najengo Hadijja dia 30 de março deste ano e encontrei uma mulher muito bonita, 32 anos, mãe de 8 crianças, sendo que pariu pela primeira vez ao 20 anos.
Seu marido, muçulmano, tinha várias famílias, que não conviviam entre si. A religião, nesse caso, não explica o descaso com as mulheres e filhos. Homem este que engravidou muitas mulheres e tinha várias "famílias". Não pode prover nada à eles, como "manda" a sociedade patriarcal e extremamente machista de Uganda e a religião muçulmana, na qual você pode ter várias mulheres, mas que estas sejam 'bem cuidadas'. Morreu à três anos atrás vítimas da AIDS e deixou essa mulher e essas 8 crianças ao vento.
Uma mulher que nunca mais poderá se casar, não teve qualquer estudo, não tem qualquer dinheiro ou família para apoiá-la. Quando a conheci, morava nas redondezas, agora vive com seu irmão por período bastante temporário até que ache outro lugar.
Tem 3 crianças na escola. Elas andam longos Quilômetros para chegar a escola. Acordam muito cedo (4 horas da manhã) para dar tempo de fazer todos os afazeres domésticos e chegar na escola à tempo.
Além disso, passam o dia inteiro sem comida.
Alguém aí conseguiria brincar na hora do recreio ou dividir 10 por 2?
A mãe está preocupada, pois as crianças adoecem sempre, por diferentes motivos e ela não sabe ao certo o que fazer. Lembram que o pai morreu de AIDS?
Com o dinheiro que vocês nos deram, fizemos uma boa compra de supermercado, compramos materiais escolares, pagamos suas escolas e um ano de merenda para todos os 3.



Pena que não tirei foto do quão surpresa e sorridente ela estava. Não tinha palavras... e nem eu!

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Conheci a mãe do pequeno Kiwuwa Benedicto dia 14 de abril. Na primeira conversa, quando perguntei sobre HIV, ela me respondeu que nunca havia se testado, mas dois meses depois, descobri que ela, na verdade, era HIV positiva e já havia desenvolvido AIDS.
As histórias se repetem em relação aos maridos. O homem a abandonou com seus oito filhos e a sua herança carinhosa, o HIV.
Não tenho fotos ou se quer boas notícias sobre ela, pois quando a fui visitar com toda a surpresa, tive a infelicidade de receber a notícia de que ela estava internada. Dificilmente sairá e se sair, será por pouco tempo. Escondeu sua doença do mundo, pois se sentia culpada. Tinha que esconder de todos que era uma mulher impura, usada, punida por deus. Não adianta explicar que com todo amor e paixão do mundo, se entregou e confiou em um homem quando tinha seus 16 anos. Teve seu primeiro filho e dedicou toda sua a vida a gerá-los, cuidar da casa, ser fiel e bem vista na sociedade, cozinhar bem e ser sempre amável e de poucas palavras. Não adianta todo esse passado, não adianta explicar que enquanto se dedicava à família, seu marido estava se 'dedicando' à outras famílias e que não demorou à se livrar de alguns 'pesos'.
Ninguém vê 'a coitada' quando contamos que essa mulher, agora, não pode cuidar de seus oito filhos, está muito doente, e provavelmente os deixará, quando ainda são pequenos, muito pequenos.
Depois do momento de tristeza ao saber que a mãe estava internada, fiquei feliz por ver que as crianças tinham algum tipo de amparo. A avó das crianças está cuidando delas e também de sua filha internada. Fiquei bastante surpresa ao conhecer aquela jovem avó, mas entendi toda sua bondade quando me contou que na verdade não era a avó verdadeira, mas tinha adotado a mãe das crianças quando ela tinha apenas 6 anos de idade e ficara órfã.


Avó e um dos 8 netos.


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A mãe do Saazi Husein é uma pequena mulher, toda envolvida em seu turbante e muito, MUITO, tímida. Costuma sair para vender alguns legumes na feira local, mas o costume mesmo, é se virar com pouquíssimo dinheiro e uma família de 6 para alimentar e sustentar.
Vivem em um único minúsculo cômodo. Moram ao lado da escola e voltam para a casa durante o almoço para.... Brincar!
Não há comida nesse pequeno cômodo onde se apertam os filhos e uma mãe solteira, cujo única esperança é  conseguir algum trocado e talvez um pouco de comida para a janta.
Enjoei de falar sobre os maridos... Vocês já os conhece bem, não?
Mas pelo próximo ano, as crianças terão almoço servido na escola, que se resume à posho (farinha com água) e feijão.
Ah, e claro que a gente os encheu de comida para a próxima semana, material escolar e muitas guloseimas de criança (biscoitos, sucos, chocolates...).






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Mais uma vez, muito obrigado à todos que estão ajudando. Estou bastante emocionada com todo o carinho de vocês com as pessoas daqui e, acredite, as famílias e crianças ugandeses estão muito felizes. Queria poder filmar cada sorriso, cada lágrima, cada frase em luganda que você não entende nada, mas sabe EXATAMENTE o que a pessoa está falando, cada aperto de mão, abraço, cada ajoelhada de agradecimento, cada feição esperançosa....
Valeria muito mais do que qualquer tentativa ridículo minha de expressar isso por eles...







Webale nyo, muzungos.
Welaba ;)

Um comentário:

Josiane Neri - Brazil disse...

Hi Raphael!

You don't know me yet but I'm Leo's mother. I want to tell you that you are doing a great job in Uganda and that most of people I know don't mind with the others who had nothing to eat or survive.
Please tell me how can I help you -I'd like to participate and help. I will post your blog at my facebook too.
I'm proud of you!!!

Josiane Neri - Brazil