sábado, 29 de outubro de 2011

Histórias de Paixão e Abandono II





Oito pessoas se apertam em um cômodo, incluindo o pequeno Gimbo Patience. A mãe, sem emprego, 5 filhos, cuida das duas irmãs adolescentes, que não trabalham e nem estudam.
O pai das crianças morreu a alguns anos vítima de ‘felt sick’ (se sentiu doente). Doença essa que abrange ou não todos os tipos de sintomas, causa a morte ou não, pode ser sinônimo de AIDS ou não e pode esconder um abandono ou não.
O fato de as pessoas não saberem a causa da morte de seus parentes esconde, dentre outras coisas, um sistema de saúde ridículo. As pessoas, ao se sentirem doentes, não possuem atendimento médico e por isso nunca entendem a doença que levou embora seu marido, filho, mãe... Pode ser uma simples diarréia ou até mesmo a AIDS.
Não é difícil imaginar a luta dessa jovem mulher, que ainda tem a ‘sorte’ de ter nascido em Uganda e por isso contar com a grande solidariedade dos vizinhos, familiares, conhecidos de conhecidos... Estes são os responsáveis por não termos aqui, o grande número de moradores de ruas que encontramos no Brasil, por exemplo. Esses são os responsáveis por essa jovem mulher conseguir dar de comer aos seus filhos uma vez ao dia. E esses são os responsáveis por manter essas crianças na escola, mesmo sem pagarem mensalidades.
Agora, vocês são os responsáveis por essas cinco crianças terem a escola e um almoço garantido por ao menos 6 meses.

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O pai do Kaye Desmon o abandonou antes de seu nascimento e sua mãe fugiu para tentar uma vida. Fazendo de tudo para ter um futuro normal de uma criança de 13 anos. Deixou seu filho aos cuidados de sua mãe e foi para a vila, onde ninguém conhecia seu passado sombrio de mulher usada.
Nessa história, a avó do Kaye cuida de 5 netos. Sozinha, essa senhora solteira, deixada pelo seu marido quando nova, HIV positiva, desempregada, luta para a sobrevivência dos seus netos com todo o amor e cuidado que oferece não só a eles, mas a todos que a cercam (tive o privilégio de sentir esse carinho).
Não consigo parar de me perguntar o que acontecerá com essas crianças quando a avó partir, já que está muito fraca e debilitada por conta da AIDS. Mesmo sabendo de toda a solidariedade ugandesa, ainda vejo muitos órfãos nas ruas...
A escola e o almoço dos netinhos estão garantidos por um bom tempo, e o sorriso dela ao ver toda aquela comida (doces, pães, leite, água, arroz, feijão...), me encheu de satisfação por ajudar quem tanto ajuda.




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Finalmente fui visitar a doce Naluzze Viola. Tá, admito, ela é meu docinho de coco(eu sou meio bixa quando amo tanto). A conheço antes de todos os projetos, antes de qualquer relação com a escola e com as crianças, antes mesmo de saber como lidar ou fazer carinho em uma. Morávamos perto e sempre conversávamos. Não consigo explicar quão carinhosa e respeitosa essa menininha é. Sempre me fazendo carinho e me perguntando se um dia eu a levarei comigo para o meu país.
Infelizmente, a realidade de seus pais me preocupa sobre qual será o resultado disso na doçura da Viola. Seu pai é portador do vírus HIV e tem 18 filhos (até onde ele sabe). A mãe, analfabeta, se recusa a fazer o teste ou admitir ser portadora do vírus, mesmo com todos os conselhos e pedidos do pai. Ela foi mãe pela primeira vez aos 13 anos e hoje divide um cômodo com 11 pessoas, dentre elas seus filhos, e outras crianças, algumas deixadas lá por amigos/parentes e outras filhas do pai.
O pai falou que está tomando todos os remédios e após 5 meses sem nos vermos, nós dois vimos diferenças. Eu o achei muito mais novo e forte e ele me achou muito mais... Gorda!
Disse que a mãe não o quer mais e que o culpa pelo vírus (mesmo não admitindo ser portadora). Assim, ele me diz que não força nada (uhuu ainda há esperanças para os homens de Uganda) e que dorme em outro lugar. Fiz questão de frisar o uso da camisinha para ele, portador de HIV, quando dorme com outras mulheres, pois, né, um bom macho ugandês tem que satisfazer suas necessidades (palavras dele, juro que não é resultado do meu preconceito e generalização aos homens de Uganda).
Vocês pagaram às duas crianças na escola mensalidades e mais um monte de comida.
Creio que essa família precisa mesmo é de assistência, suporte, aconselhamento... Estamos organizando para trazer novamente médicos para testarem as crianças e, dessa vez, também os pais e o restante da família, pois vejo nas famílias, que esse estigma social e esse desconhecimento em relação à doença é o principal fator (tá, vamos excluir o sistema de saúde dessa lista) da morte precoce de um HIV positivo. As pessoas que vi, as pessoas que conversei (cerca de 400 famílias), temem fazer o exame e mesmo quando sabem de sua condição (no caso de mães que descobrem durante o pré-natal), escondem e não procuram cuidados médicos necessários. Dessa forma, quando buscam um atendimento profissional, geralmente é tarde demais.





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Durante meus workshops (nossa estou me achando tão profissional), eu alerto sempre sobre a necessidade de nos testarmos juntos, como casal e sempre me dou como exemplo: eu, Barbara, me testo 4 vezes ao ano.
E é nessa hora que todo mundo fica impressionado e começa a considerar se testar. Só tem um probleminha: eu nunca me testei na vida!
A nossa realidade no Brasil é bastante preocupante e quando analiso os números vejo uma maior conscientização dos homossexuais e uma redução significativa do número do contágio, entretanto um aumento significativo do contágio entre heterossexuais.
E isso faz todo o sentido pra mim. Conversando com os meus amiguinhos super cool da balada eu vejo que a preocupação é em relação à gravidez e a camisinha é coisa de inexperiente: sexo de verdade é “no pêlo”. AIDS? É doença de gay, não pega em hétero.
Pergunta pra qualquer universitário, pra qualquer aluno de RI-PUC (os donos de todas as verdades), pergunta qualquer coisa sobre AIDS/HIV. Ninguém sabe nada! Sabe o básico. O básico que eu sabia antes de chegar aqui e ter que estudar muito pra poder entender sobre a doença e sobre as relações e problemas sociais em volto à doença.
Temos que nos informar à respeito (e não estou falando daquela galera chata que vai nos colégios falar sobre drogas e doenças sexualmente transmissíveis. Blé!). Temos que nos testar. Temos que usar camisinha. Temos que conversar sobre isso. Acreditem em mim, por mais que você ache que saiba sobre AIDS, você não sabe nem 50%. AIDS não é coisa de bixa e africano!!
Fica a dica galera, tirem uns minutos do almoço e vão se testar com a galera do seu trabalho, o resultado sai praticamente na hora, tempo de um cafézinho brasuca e é de graça. :)

Ao fim, a tentativa de arrancar um sorriso do Atuíne. Nem preciso falar que tive cólicas de riso quando ele tentou imitar o meu sorriso a la velhos pedófilos sedutores de criancinhas:


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