terça-feira, 3 de maio de 2011

Famílias Ugandesas


Depois de 150 famílias carentes entrevistadas eis que chego à uma conclusão final:

Eu ODEIO homens!
Tá, tá! Já sei. Sem generalizar. Sem radicalismo. Sem feminismo...
Ok. Mas vamos conversar um pouco sobre essas famílias.
Pelo menos 80% das famílias são constituídas por mães solteiras com cerca de 5 filhos e que foram abandonadas pelos  seus maridos (leia-se  divorciadas após se cansarem de tantas traições, noites de bebedeiras, agressões... Cansadas de trabalharem em casa e na rua enquanto seus maridos se divertem, as agride e as reprime).
Maridos esses que, em sua maioria, já constituíram outras famílias enquanto essas mulheres estão condenadas a uma vida solteira e sofrida.
Engraçado é ver que, nas famílias com pais casados, 60% são constituídas de ‘dono-de-casa’ (leia-se vagabundo, pois quando falamos de dona-de-casa, falamos de mulheres que trabalham duro nos serviços domésticos, nos cuidados dos filhos e do marido...)
Conheci um dito-cujo com nada menos que 24 filhos! Isso que ele saiba né? Afinal não é difícil se perder nos números quando estamos falando de 24 filhos!!!!
Tá! Sem generalizar. Sem radicalismo. Sem feminismo...
Malditos sejam. Não os homens, mas ESSES homens. Tenho que considerar que conheci alguns poucos, talvez 4, que se mostraram super presentes, batalhadores, carinhosos e companheiros. Um deles, inclusive, me emocionou. Lembrei do meu pai quando, na ausência da minha mãe que morava em outra cidade, criou eu e meu irmão. Com toda a moleza e carinho que só ele tem. Ele e o pai da menininha que entrevistei. Ela, carinhosamente, falou algo em seu ouvido e ele tirou algumas moedas do bolso. Em instantes ela voltou com algumas guloseimas. Lembro de fazer isso o dia inteiro enquanto ele trabalhava, mas bem menos carinhosamente e mais ‘infernalmente’ como uma boa criança mzunga mimada.
Outra questão assustadora é em relação à saúde. Comecei a fazer alguns questionamentos quando cerca de 98% das famílias que perderam algum ente respondia que estes simplesmente se sentiram doentes e morreram. É claro que eles não têm uma resposta sobre a causa da morte, pois simplesmente não buscam e/ou não têm acesso ao sistema de saúde e uma ajuda profissional. Como saber qual é o seu mal quando sua única opção é aguardar que a gripe, a dor no corpo, as feridas na pele... Simplesmente passem. E se não passarem, você morre.
E a questão do HIV, então. Putz... Que tabu. Lindo como 99% das famílias se testaram em 2011. Todos negativos, é claro. Os poucos que admitiram serem portadores do vírus o fizeram quando estávamos sozinhos.
E os pais que não tem idéia da data de nascimento dos seus filhos. Minha vontade era gritar: mano, você não canta parabéns pro seu filho??? Mas, pensando bem, tem tanta coisa mais importante que uma música traduzida em centenas de línguas, não?
Mas, talvez, saber a idade do seu filho seja algo a ser incluído na lista de coisas importantes...
Todas as famílias que entrevistei não vivem em menos de 5 pessoas na mesma casa. O que é um baixo número visto que entrevistei famílias com 15 pessoas debaixo do mesmo teto. Lá cabe o tio, o sobrinho cujo a mãe não tem condições de criar, a vizinha que perdeu os pais recentemente... Sabe aquela coisa de onde come um, come dois?
“Por que você está criando essa criança?”, “Qual é o seu vínculo com os pais biológicos?”, “Como você faz pra prover alimento, vestimenta, escola pra todos seus filhos e mais um adotado?”. É... Uma vez mzungo, mzungo até morrer.

2 comentários:

Guilherme Cicerone disse...

As relações entre as pessoas mudam de lugar para lugar. Moldam-se, muitas vezes, na cultura ali presente. E é assim que vejo o funcionar das coisas nesse meio.
Eu já havia percebido um pouco sobre a personalidade masculina africana quando tive a oportunidade de ler sobre ou assistir a algo. Mas esse é o primeiro relato feminino que vejo deixar ainda mais translúcido como um homem-de-família-ausente é ainda mais questionado, e digo isso no geral, sobre esse título que carrega nas costas. O pai dos 24 filhos pode até saber os seus respectivos nomes, mas será que ele é pai de verdade? A questão não é nem a quantidade ou o tempo dedicado à família, mas sim a forma como o problema é encarado de fato. Mesmo que isso vá de encontro a sua cultura...

Lindo post, Bá! Sensibilidade incrível para escrever sobre o assunto. Gostei bastante!

Chico disse...

Oi Bá, tudo bem?

Há tempos que não dava um pulo aqui no seu blog. Mais uma vez parabéns!

Em Portugal eu fiz um estudo muito interessante sobre um sociólogo / psicólogo chamado Geert Hofstede. Ele tem um estudo de classificação de tipos de sociedade.

A princípio tudo parece um pouco genérico, afinal é muito difícil enquadrar uma sociedade em "tal" definição e outra sociedade numa "outra" definição.

No entanto, um dos conceitos que me chamou a atenção foi o conceito de Indivicualismo vs Coletivismo.

Ele apresenta as sociedades de modo que a estrutura familiar e social de um país determina muito o jeito como essas pessoas vivem (em pequenos ou grandes grupos) e trabalham.

Se você quiser, eu posso te passar o meu trabalho (de mestrado filha, olha que chique!) tá super resumidinho e explicadinho.

Pruma vivência aí na África, acho que uma literatura dessas seria bem agregadora.

Um beijo pra você,
muito orgulho, sempre.

Chico