sexta-feira, 27 de março de 2015

Bandido bom é bandido morto

Há dois dias presenciei (e participei) daquilo que eu me recusava a ver nos vídeos postados na internet. Aquele "bandido", bêbado demais para conseguirem amarrá-lo a um poste, sendo linchado por muitos. Quando digo muitos, me refiro aos que sequer presenciaram o início e/ou motivo (existe motivo para tal?) da tentativa de homicídio.
                O que de início me pareceu uma briga que não chegaria às vias de fato, visto as condições alcóolicas (quem nunca?) de um dos participantes, levou, em segundos, a este mesmo participante ser jogado em uma movimentada via expressa e sendo alvo de rodízios de chutes na cara!
Quão "corajosa" é uma pessoa capaz de fazer isso. Ao fim da confusão, cheguei inclusive a aplaudir (ironicamente e tristemente) tamanha macheza em tirar, com os pés os dentes de uma pessoa. Confesso que até perdi meu medo de dentistas.
                Assim como levaram segundos para o rodízio de trabalhadores tendo seus CDs piratas roubados, civis curiosos, contratados do Youtube de plantão e aqueles que simplesmente lutavam (literalmente) pelo bem da sociedade civil, família e zzzzzzzz..
                Desculpa. Voltei! Bom, como dizia, assim como levaram segundos para dentes voarem pela avenida, levaram os mesmo segundos para que eu corresse até o homem. Não sou muito inteligente, por isso demoro mais de segundos para perceber o que de fato estou fazendo e o porquê, de forma que tudo se tornou uma ação intuitiva, lacrimosa e cheia de nervos.
                Não pensei que poderia ser atropelada, não pensei em todo o sangue que estava sob meu corpo, não pensei que poderia, também, ser agredida... Só pensava em duas coisas: naquela boca que respingava algo que eu não chamaria de sangue. Era pastoso. E em uma única pessoa que estava lá, ao meu lado. Disposta a tudo! A não sair de lá até que aquele homem estivesse a salvo e gritando aos montes tudo aquilo que representava meus sentimentos. Era uma senhora de 74 anos que insistia em dizer (gritar) que se tratava de um ser humano!
                Pobre senhora! Enquanto eu era seus braços levantando-o do chão e protegendo-o de qualquer outra agressão, gritando aos ventos se alguém sabia a porra do número da ambulância, ela era massacrada com aquelas frases. Sabe? Aquelas... "Pega pra criar", "Pode ser seu filho assassinado por este homem" e por aí vai. Além, é claro, as ameaças "silenciosas" dos que passavam ao nosso redor dizendo que "a noite ele viria a faca que merece". De fato, a noite não estaríamos ali... E nem os policiais.
                Sim, procurei pela ajuda dos policias. Um deles foi categórico ao dizer que nada faria e que sequer sabia o número da emergência (AH TÁ!). Diria eu que foi até corajoso, pois aquele ponto ele corria sérios riscos de morrer (fui contagiada pela violência gerada pela violência).  Outros três policias que encontrei mais a frente disseram que nada tinham visto (AH TÁ!).
                Essa história não tem um final feliz. O homem, agora bêbado, sem alguns dentes, desorientado e ainda com aquela assustadora pasta de sangue na boca pediu para que eu e a senhora o deixasse em paz e, apesar das nossas tentativas de mantê-lo a salvo até que alguém me dissesse a PORRA do número da emergência, partiu. E todos nós sabemos que o que sobrou de dentes seriam arrancados em breve.
                Essa história não tem um final feliz... Porquê ela não tem um final. Porquê ela se repete. Porquê "bandido bom é bandido morto".
                Essa historia não tem um final feliz porquê é fácil não ser bandido quando se teve educação, casa, condições e oportunidades de trabalho. Mas me pareceu ser bem fácil ser um assassino com todos esses valores familiares.
                Ao fim (sim, teve um fim... para mim e aquela corajosa senhora), minha incrédula amiga alemã que me acompanhava me disse que eu fui heroica, que fui corajosa e que deveria trabalhar com serviço social!

                Não! Não fui heroica, não fui corajosa e não preciso ser uma servidora social! Eu fui apenas humana! Mais uma humana que ignora enquanto seguro minha cerveja esses e outros atos e situações sociais para não ouvir meus sentimentos de impotência, apatia e, consequentemente, conivência com esses e outros crimes. 

2 comentários:

Karina Mendes disse...

Corajosa você foi, por saber que essa gente cheia de ódio é perigosa, você correu riscos, sua integridade física ameaçada. Ser ética e humana falou mais alto pra você e isso é muito raro hoje em dia (não deveria, mas é) ;)

Karina Mendes disse...

Corajosa você foi, por saber que essa gente cheia de ódio é perigosa, você correu riscos, sua integridade física ameaçada. Ser ética e humana falou mais alto pra você e isso é muito raro hoje em dia (não deveria, mas é) ;)